domingo, 16 de setembro de 2012

A Manif

Eram cerca de três horas da tarde, o calor fazia jus ao mês de Setembro que decorria, mas, com a ajuda duma brisa persistente, o ambiente tornava-se  até bastante agradável.

 A praça estava deserta de carros, aqui e acolá já se viam algumas manchas, coloridas por bandeiras e manifestantes.

Embora o ambiente estivesse calmo e harmonioso, a uma distancia razoável, por parte das forças de segurança, havia um grande frenesim.

Previamente, com a colaboração conjunta da GNR,PSP,MP,PJ,SIS e SIED, tudo tinha sido estudado ao pormenor.

Foi distribuída uma lista constituída por indivíduos considerados perigosos, decidindo-se que o acompanhamento e observação de cada um, seria tratado caso a caso, de acordo a ira e agressividade, registada em situações semelhantes.

O caso considerado mais problemático, era o dum individuo com o nome de Alfredo Barroso.

 Mesmo assim, por motivos Constitucionais, foi-lhe permitido participar na manifestação, desde que devidamente acorrentado, e guardado por quatro polícias do Corpo especial.

Fotógrafos e repórteres, conhecedores dos locais onde os Notáveis, não daquela mas da "nossa praça", costumam assentar arraiais, concentraram-se nesse local, sendo  bem  visível a sua avidez, por obter declarações e pequenas  entrevistas de pessoas importantes que não tardariam em chegar.

O primeiro a surgir foi o Dr. Mário Soares. Cheio de vitalidade, parecia 20 anos mais novo, e mesmo antes que os jornalistas tivessem tempo de lhe colocar qualquer pergunta, já ele lhes dizia que só a grande importância daquele acto, o fazia estar ali, visto que teve que cancelar o lançamento de mais um livro, e adiar para mais tarde, uma palestra que iria dar, por volta das 17 horas, na sua Fundação.

Embora o cartaz, por ele transportado, ainda não estivesse bem erguido, dava para ver a frase:
                                       "Sr. PASSOS, DESAPAREÇA!!!"

Junto desta grande personalidade, começou logo a formar-se outro grupo. Eram pessoas quase todas do PS, estavam em plena cavaqueira, até que um deles olhou ao longe e disse: Olhem! lá vem a Bruxa! De facto, a uma distancia de cerca de duzentos metros, com um ar cansado e bastante carrancudo, lá vinha, a Dra. Manuela Ferreira Leite.

Enquanto a distancia ainda o permitia, alguém, num tom apaziguador, disse: calma! A senhora agora começa a estar do nosso lado, vamos tratá-la com deferência, pode até vir a ser-nos muito útil. É como se, a partir de agora, tivesse-mos uma tópeira no coração do inimigo.

 Entretanto, Ferreira Leite aproximou-se, e logo rodeada por jornalistas e bombardeada com mil perguntas, começou por falar sobre a virtude das revoltas, falou do caso da Maria da Fonte. Além fronteiras, invocou, ao de leve, a Revolta na Bounty, ouviram-na ainda balbuciar a palavra Spartacus, mas o discurso era difícil de entender, levando os jornalistas a entre-olharem-se com alguma apreensão. Valeu a intervenção de Pacheco Pereira que, atento, imediatamente tomou o uso da palavra, traduzindo o verdadeiro significado daquelas sábias palavras.

António José Seguro, também fez questão de marcar presença. Confrontado com uma pergunta de circunstância, proferiu um discurso longo e monocórdico, despertando pouco interesse por parte da  assistência. Todavia o seu cartaz não passou despercebido. As pessoas sabem, que por vezes, uma frase pode ter um significado tão profundo, capaz de tocar no intocável do ser humano e até permanecer para os anais da história. Seguro, como que adivinhando o pensamento daquela gente, deixando até transparecer uma pontinha de vaidade, desdobrou ligeiramente o cartaz, mostrando umas letras vermelhas, cheias de significado, com a seguinte frase:
               
                                         "QUEREMOS MAIS UM ANO"

Entretanto surgiram mais duas personalidades, tratava-se de Manuel Alegre e Miguel Sousa Tavares. Não se mostraram muito dado a entrevistas, traziam cara de poucos amigos, o cartaz era partilhado por ambos e dizia simplesmente:

                                  "MORTE AO COELHO"

Maria de Belém, humanista, mulher de grande sensibilidade, manifestou alguma preocupação por ver palavras tão violentas. Mas esta preocupação rapidamente desapareceu quando alguém a informou que aquele cartaz estava a ser reaproveitado duma outra manifestação em que também ambos haviam participado, não por razões políticas, mas em defesa da caça livre. Afinal de contas, apenas pela diferença de duas patas, não se justificava empreender a feitura dum novo cartaz.

Finalmente as atenções fixaram-se todas num grupo que, embora pouco numeroso, não podia passar despercebido. Aquilo nunca tinha sido visto no nosso País. Mas também não era para admirar, tendo em conta o momento singular na história de Portugal.

 O grupo era formado por várias personalidades bem conhecidas, entre as quais destaco as seguintes: Belmiro de Azevedo, Alexandre Soares dos Santos, Manuel Fino, Américo Amorim e muitos outros que não posso agora detalhar.

Via-se que os membros deste grupo, tinham feito um esforço notável, no sentido de se integrarem plenamente, no espírito daquela circunstancia. O seu ar era jovial,  movimentavam-se despreocupadamente, havia risos e a indumentária era constituída por linhas modernas, desportivas e não se via qualquer fato ou gravata.

Mais importante que tudo isto, era o facto de não haver cartazes individuais. É gente que não age ao sabor das emoções. Trata-se de personalidades que se reúnem, que planeiam, que sabem delinear estratégias e actuar de modo consertado. Resumidamente, são pessoas com qualidades, dignas do nosso apreço e admiração.

 No arranque da marcha, este grupo tomou logo posição na primeira linha. A longa e única faixa branca, partilhada por aquelas personalidades, era dum linho de primeiríssima qualidade, nas letras não havia tinta escorrida e nenhum caracter se encontrava  desalinhado. Muitas pessoas mal podiam acreditar ao verem plasmado naquela faixa, a seguinte frase:

"DINHEIRO DO OPERARIADO, SERÁ SEMPRE REJEITADO!!!"

Sem comentários:

Enviar um comentário

Introduza o seu comentário...